julho 09, 2011

“milionésima parte de diferente”


(da Net: desconheço autor)


A “milionésima parte de diferente” 
faz a essência
do meu desejo de te ter para sempre 
e não querer mais nada ter

Sem te ter
muito
tenho ainda para querer

(maria, caçando estrelas)

http://youtu.be/djGeF0kTzVQ

junho 25, 2011

...

estreita-se a madrugada
e na calçada as pedras tremem
geladas
gemem blues e melancolia
teço-me em lágrimas 
ainda assim
 
o mar 
a lua
 
os olhos teus
na direcção dos meus
-talvez-

compondo o retrato da solidão
(maria)
Imagem: da Net

junho 21, 2011

...


        e de tudo o que me habita e em segundos se aparta de mim 
        
         só a brisa enfeitiçada
               
        a bailar descalça na maresia à beira mar
       
        permanece eterna
                 
                                      abrigo do meu olhar
                                                                                           
                           sem lágrimas para não molhar o mar


(maria)

foto: DevianArt, Ineed Chemical IX

maio 21, 2011

tem nuvem



Tem nuvem
que duvida que possa nadar

braçada mole
braçada d´alma
ao sol
ao luar

Depois vira  chuva
perplexa
murmura
escorre
se agita
grita

se liquefaz
transborda
se afunda

No fim de tudo fica o mar
desejoso de a abraçar

(maria)

foto: Gregory Colbert

maio 20, 2011

se perguntarem diz...



Se perguntarem
diz
que voei
e não sei se vou voltar
diz
que parti
abri a janela
fugi de mim

Se perguntarem
diz
que desisti
vesti-me de folha
rolei com o vento
fugi de ti

Diz
que tomei rumo
não quero mais ficar
Amar-te
é culpa minha
se gota és
e meus olhos te vêm como mar

Se perguntarem
diz
Amor

não quero mais te sonhar

(Maria)

Imag: I. Cunningham

abril 23, 2011

sobre corações



Apertados andam os corações.
Começam por bater de mansinho, o compasso sobe de tom, descompassam e sem se darem conta perdem o rumo. O desvario é repentino, gritam, ordenam, imploram, sangram, e a dor que sentem tolda-lhes de seguida os batimentos.
É um pouco assim que eu sinto o meu. Em desalinho. Saracoteando-se sem tino. Pronto a deixar-se devorar. Sem mais.
Escrevo  e sinto que ele se aquieta. Provavelmente à espera de se ver desvendado nas palavras que desenho (as palavras podem ter algo de perigoso). Ou não. É sabido que os corações têm razões que a própria razão desconhece.
As histórias dos corações costumam ser atribuladas.
Sobretudo as dos corações desprevenidos e inseguros. Mais ainda as dos corações arrojados, e as dos ditos "insanos de amor", corações húmidos de transpiração, reféns de doces e vorazes incêndios.
E depois...depois, há  as histórias dos corações desalentados, quase sempre histórias muito insossas.  São corações que vivem eternos dias de céus cor de chumbo e nuvens fartas, à espera do milagre das gotas que teimam em não tombar.
São eles que perdem inusitadamente o fôlego ao primeiro rodopio. Com um sopro ficam-se exaustos e adormecem em longos sonos letárgicos, lisos em demasia, sem sonhos. Quando acordam, contentam-se com um tímido bater das asas e desfalecem de novo. Ou simplesmente ficam-se a olhar. A ver os outros passar. São corações-passarinhos, tolhidos pelo medo.
E as dos corações-meninos, eternamente aninhados em corpos de gente graúda? Diz-se que as histórias destes são, quase sempre, deliciosas e ousadas, repletas de pulsares espontâneos, prazeres etéreos e emoções que raramente alcançam o fundo dos sentidos. Histórias de sabonete e água, paixões caídas em escorregadio chão. Podem ser histórias também tristes.
E as dos corações zangados,  submergidos em altos mares bravios, ensurdecidos pelo estilhaçar de destemperados relâmpagos, raios e trovões. Ardem, azulando em incandescentes desamores. São histórias de final infeliz.
Por vezes, correm rumores da existência de histórias de corações felizes... aqueles que mansos e discretos se juntam em abraços e se passeiam, mundo fora, de mãos dadas, sem gastar  o amor de uma só vez.  Conhecem de cor todas as cores, o recomeço dos rios e são exímios a ludibriar a dor. Negoceiam com as estrelas ao anoitecer.
Mas dizem, os entendidos, que esses não têm história.

(maria)

foto: Net

abril 14, 2011

tanto...quanto...enfim.


E depois tu rias de mim
e eu de ti
 e tu dizias
agora vamos dar um beijo menino
e mais um
um mais
assim
bem crescidinho

E nunca mais acabava

E a minha mão a morar na tua
e a tua a morar na minha
e os teus olhos
a incendiarem os meus
e os meus a gemer nos teus

E as paragens
as paragens nas muitas esquinas
E tu a galgares-me o corpo
ai a minha pele a pedir a tua
ai a minha boca a devorar a tua
ai
estão a ver
dizia eu
ninguém vê
ninguém existe
dizias tu
E rias mais

E eu de novo
estão a ver
estás a ver

E tu
que te adoro
sim
quanto
tanto
enfim
sem fim

Foi quê?
Foi há tanto tempo
Ainda te lembras?

(maria)

Imagem:  Margarita Sikortskaia

abril 03, 2011

passos

                                                      
Passam dias
passam noites
e passo eu
Passo a passo
num descompasso
apresso  o passo.

Fragmentado
deslaça-se o sonho
Acordo

Em passinhos
pé ante pé
 o sol assenta

O dia recomeça


(maria)
fotog.  Katia Chausheva

março 30, 2011

para ti, minha amiga Lia




meia volta e tu estavas
ao dobrar da esquina.
eu ainda
a segurar nos olhos o luto espantado de menina.
soltaram-se os risos suspensos,
há mil anos e outros
mais aquele abraço que não se mede em anos.
foi assim.
as palavras ainda afundadas em silenciosos rios,
o Inverno dolorido a vestir-se de Verão.
ali mesmo,
naquela desnuda esquina.
reminiscências de nós,
numa espécie de nós,
antes saudade,
então eternidade,
a clamar
não há morte que mate o que gente sente.
foi assim.
e os olhos a serenarem
e o tempo voraz,
feito pequenino, a deixar-se quieto,
ali,
na nossa esquina.
foi assim.
e os risos por fim a galgar as margens
e um vento ligeiro a afagar a esquina.
e o odor verde de relva fresca,
de repente, a perfumar a esquina.
é sim,
para sempre,
dissemos nós.

(maria)

Imagem: The Sisters by Frank W. Benson

março 03, 2011

faltas-me tu



(de April Gornik storm of sea)
 

falta sol na minha varanda
falta também a varanda
faltas-me tu

partiste sem dizer nada
de madrugada
e do lado de cá
fiquei eu
questionando estrelas
indagando luas
agora tuas

e a vida adiante
sempre
as estrelas oscilando mudas
as luas desabando nuas
nas minhas ruas

em ritmo de espera
conto
reconto
o tempo na tua ausência
e deslizo
fundo
nas franjas líquidas das saudades

porque
falta sol na minha varanda
falta também a varanda
faltas-me tu
mãe


(maria)

fevereiro 12, 2011

ah...os dias.



(hoje, nada aconteceu. nem mesmo a cidade se insinuou)

(imag Net)


há dias assim
doentes
ausentes
sem gosto por mim


sem palavras nem ventos
nem encantamentos
nada me cativou
quedei-me à porta de mim


há dias assim

doídos
feridos
fingidos
mascarados de noites
fugidos
de mim

(maria)

fevereiro 06, 2011

Dá-me um cigarro?!!

(image: Munch: O Grito)
 


Levanto o olhar até ai preso nos buracos da calçada, que são muitos e sempre prontos a humilharem-me.
Dou de olhos com ele, muita cor castanha naquela figura franzina. Está estanque, inquisitivo, à minha frente. Os seus olhos, em frincha, brilhantes,  percorrem-me, avaliam-me, queimam-me.
Novamente atira-me:
- dá-me um cigarro?.....um cigarro?!! dá-me um cigarro?!!!
Ouço a minha voz, patética, num sussurro:
- por acaso não tenho...mas... um cigarro... não faz bem... é caro...e muito complicada...está a vida...
- o que é que vale um cigarro..?! Eu é que não "valo" nada! Eu não valo" nada, nada... de nada mesmo!
- não... não diga isso, vale sim, todas as pessoas são importantes...
- nãooo!! eu não "valo" nada! a Dra. vale! olhe o seu casaco, a sua mala, esse cachecol... a Dra vale...agora, eu?!! já viu, tenho 40 anos, não tenho casa , não tenho emprego, não consigo emprego, visto roupa que me dão, não tenho família, não roubo, mais valia roubar, sou jeitoso... já viu, Dra? eu sou bonito, não sou? mas nem consigo arranjar namorado e olhe que não tenho sida, nem essas doenças, viu, não "valo" nada, de nada! a Dra vale, ah vale, e o que vale um cigarro??????!!!!! mais vale roubar, ou matar... mais vale estar preso ou morto!
- Não, claro que vale... falava a minha voz a morrer lentamente.
Perante esta chuva em torrente de palavras arremessadas, imparáveis, e a moverem-se directas à fúria libertadora, forcei os ombros a elevarem-se, ensaiei um sorriso, embrulhei-o como pude, girei no calcanhar e afastei-me rapidamente, acenando não sei o quê com a cabeça.
Dez passos à frente, era em grito, aquele eu não valo nada, que ressoava, qual pedrada na calçada.
EU NÃO "VALO" NADA!

Dois dias passados e ainda ouço: EU NÂO "VALO" NADA!

(Estava um sol espaventoso. Eu fiquei com as mãos pesadas, cheias dele, e sem saber o que lhe fazer)

(maria)


janeiro 25, 2011

regresso

( Imagem: Paul Klee)


 Regresso
vinda de lá
longe
tão perto
do
aqui
errante em mim

No olhar guardo
cidades de mil luzes geométricas
e neblinas finas
traquinas
Correm nelas
ventos frescos
miúdos
a tropeçar nas curvas

E são ternas as gotas
que dos céus choram nas tardes mansas
No olhar guardo
os canais a rasgar as ruas
e os barcos multicores
inquietos
sedentos
a clamar o suave afago das marés desocupadas

Na pele trago
sóis de fogo-oiro
deitados
adormecidos
em luas incendiadas
E mares
outros
desejos
espumas
que vêm descansar
nas areias alvas
de brasas
molhadas

Piso nelas
pegadas que quero
bem desenhadas
para não me perder
no oceano das emoções

Regresso
certa que sempre voltarei
antes
mesmo de partir

(maria)



"Viajamos porque é necessário enfrentarmos o desamparo dos dias, ao mesmo tempo que procuramos um lugar para descansar e nele ansiarmos por um regresso" Al Berto

janeiro 05, 2011

no parque com ela



(Imag Net: Shiori Matsumoto/ Kotyogenmu)
 http://www.youtube.com/watch?v=7PHc_1Z6Syk









Invariavelmente, todos os dias, ela aparece atravessando o Parque, às horas das suas desoras.
Surge vinda das mais variadas direcções parecendo querer encontrar-se num qualquer além dos caminhos percorridos. Auscultadores nos ouvidos. Olhos escondidos pelos óculos escuros.
Na mão, agarra-lhe a mala. Nuns dias, a balançar-lhe o saltitar dos passos, noutros suspensa tal como ela, lenta e mansa, colando-se-lhe à anca.
Enverga longas túnicas esvoaçantes, que se bamboleiam em sombras-danças em torno do corpo. Dirige-se então em ziguezague à esplanada, transportando na sua passagem um rasto de solidão morna e distraída.
Senta-se numa das cadeiras verdes, quase sempre junto ao lago. Da mala retira um livro que, de imediato, é esquecido em cima da mesa.
Por momentos, despe-se dos óculos escuros e lança em volta olhares de cálido vento. Nos seus olhos, parecem crescer lágrimas e risos, numa festa.
A forma como se senta, recostada, angulosa, as pernas estendidas e pousadas na cadeira em frente, um dos braços pendendo, caído ao seu lado, faz lembrar o término de uma sessão amorosa, quando o corpo já sossegou e é de recato a cama.
Fica-se assim, longos tempos, a contemplar o céu, talvez sonhando um mar sem fim, luminoso e inesperado. No rosto espelha-se então uma leve expressão perplexa de quem pensa que deveria fazer algo para assinalar aquele momento em que nada afinal aconteceu.
Passado o seu tempo, levanta-se, a mão a passear-lhe o cabelo e o olhar alongando-se num presente já ausente.
Abriga-se novamente por detrás dos óculos escuros, e parte ziguezando... os passos dela a regressarem lá, onde talvez se faça novo o rumo.
A silhueta esbate-se na distância, lembrando um Verão a adormecer e a túnica prossegue a dança incerta, prometendo regressar.

(Maria)

para continuar...?