janeiro 25, 2011

regresso

( Imagem: Paul Klee)


 Regresso
vinda de lá
longe
tão perto
do
aqui
errante em mim

No olhar guardo
cidades de mil luzes geométricas
e neblinas finas
traquinas
Correm nelas
ventos frescos
miúdos
a tropeçar nas curvas

E são ternas as gotas
que dos céus choram nas tardes mansas
No olhar guardo
os canais a rasgar as ruas
e os barcos multicores
inquietos
sedentos
a clamar o suave afago das marés desocupadas

Na pele trago
sóis de fogo-oiro
deitados
adormecidos
em luas incendiadas
E mares
outros
desejos
espumas
que vêm descansar
nas areias alvas
de brasas
molhadas

Piso nelas
pegadas que quero
bem desenhadas
para não me perder
no oceano das emoções

Regresso
certa que sempre voltarei
antes
mesmo de partir

(maria)



"Viajamos porque é necessário enfrentarmos o desamparo dos dias, ao mesmo tempo que procuramos um lugar para descansar e nele ansiarmos por um regresso" Al Berto

janeiro 05, 2011

no parque com ela



(Imag Net: Shiori Matsumoto/ Kotyogenmu)
 http://www.youtube.com/watch?v=7PHc_1Z6Syk









Invariavelmente, todos os dias, ela aparece atravessando o Parque, às horas das suas desoras.
Surge vinda das mais variadas direcções parecendo querer encontrar-se num qualquer além dos caminhos percorridos. Auscultadores nos ouvidos. Olhos escondidos pelos óculos escuros.
Na mão, agarra-lhe a mala. Nuns dias, a balançar-lhe o saltitar dos passos, noutros suspensa tal como ela, lenta e mansa, colando-se-lhe à anca.
Enverga longas túnicas esvoaçantes, que se bamboleiam em sombras-danças em torno do corpo. Dirige-se então em ziguezague à esplanada, transportando na sua passagem um rasto de solidão morna e distraída.
Senta-se numa das cadeiras verdes, quase sempre junto ao lago. Da mala retira um livro que, de imediato, é esquecido em cima da mesa.
Por momentos, despe-se dos óculos escuros e lança em volta olhares de cálido vento. Nos seus olhos, parecem crescer lágrimas e risos, numa festa.
A forma como se senta, recostada, angulosa, as pernas estendidas e pousadas na cadeira em frente, um dos braços pendendo, caído ao seu lado, faz lembrar o término de uma sessão amorosa, quando o corpo já sossegou e é de recato a cama.
Fica-se assim, longos tempos, a contemplar o céu, talvez sonhando um mar sem fim, luminoso e inesperado. No rosto espelha-se então uma leve expressão perplexa de quem pensa que deveria fazer algo para assinalar aquele momento em que nada afinal aconteceu.
Passado o seu tempo, levanta-se, a mão a passear-lhe o cabelo e o olhar alongando-se num presente já ausente.
Abriga-se novamente por detrás dos óculos escuros, e parte ziguezando... os passos dela a regressarem lá, onde talvez se faça novo o rumo.
A silhueta esbate-se na distância, lembrando um Verão a adormecer e a túnica prossegue a dança incerta, prometendo regressar.

(Maria)

para continuar...?