dezembro 25, 2009

amores e desamores


Essa noite desceu sobre ela, mais escura que todas as outras. Sem lua. Trazia solidões descompassadas e ecos de passos na calçada, aos quais se juntavam vozes desconhecidas, sussurradas, também gritadas.
Na sala, o relógio marcava o encadear de minutos monocórdicos, cortando o silêncio ensurdecedor e ritmando a sua respiração.
Sentia-se sem rumo. Os planos de anos, caíam definitivamente por terra. Era ela, sozinha, a única personagem no enredado de um guião medíocre, que ela escrevera, a lápis, esquecendo os truques a exigirem versões mais aprimoradas. Viciara-se em sonhos de amores perfeitos, que a arremessavam agora para um desespero, pegajoso e mole. Agarradiço.
A sua vida parara quando, horas antes ele saíra, sem olhar para trás, deixando a porta da rua aberta. Mala na mão. O seu perfume a pairar no ar. O olhar a fugir do dela.
Foram anos de amor e desamor, insultos e reconciliações necessárias, encenações primorosas no seu palco privado. De cedências impostas pelo seu medo da solidão e da perda. A tentar adiar o inevitável, a brincar às histórias felizes.
O seu amor pelo amor era desmedido e louco. O seu temor pela solidão completamente insano.
A casa reduzia-se a uma porta e sentia o mundo a desabar a seus pés.
Regrediu aos cinco anos, à noite em que foi acordada por gritos chicoteados na penumbra e, sonolenta e aturdida, viu o pai a abrir de rompão a porta de casa, atravessando decidido para a escuridão da noite. Lembrou os olhos da mãe, chorosos, submergidos, aprisionados em espanto. Foi a primeira vez, que sentiu o abandono.
Agora, com o seu corpo ainda a sentir o dele, só não sabia como sentir o dela.
Espreitou a rua, procurando o amor. O amor não estava.
Ao longe, um vulto de um homem, carregando uma mala, afastava-se rapidamente. A correr atrás dele, pareceu-lhe vislumbrar uma menina, esforçando-se por acompanhar-lhe as passadas largas.
Qual sinfonia mal ensaiada, a vida uma vez mais desafinava.

29/06/2008
(maria)
Imag Net: quadrodeTamara Lempicka

2 comentários:

Filipe N disse...

Não posso aqui senão sentir e acompanhar este relato doloroso intercalado por recordções em que se confundem a paixão pelo amor com a fobia do abandono.
Um beijo neste fundo de amizade.

Mel de Carvalho disse...

Excelente texto, Maria. Excelente texto...
A pior das solidões - a solidão acompanhada. O ciclo da vida, sinfonias desafinadas.
Beijo
Mel