dezembro 03, 2010

assim foi (nem vos conto grande coisa)



Chego à Plaza Catalunya noite escura. Um vento gélido a dar-me a mão. As folhas húmidas, queimadas, tilintam baixinho dançando-me nos passos. Agradeço-lhes a companhia de sininhos roucos. Sinto-me mais só. Uma solidão sem castigo, livre.
A memória insiste na busca da cidade luminosa e flamante do tempo de fim de Verão.  Procuro agora os corpos que se escondem em casacos grossos, de golas levantadas. A cidade está inundada de olhos que me galgam.
O cigarro arde à velocidade do vento.
No céu param nuvens melancólicas. Não tardo a sentir nos ombros os toques leves, amigáveis de uma chuva miudinha, quase desenxabida. Os vultos escapam-se saltitantes pelas rambas e a festa faz-se de mil luzes que jorram das lojas já ornamentadas para o Natal.

Os restaurantes, as barracas, os bares e o lixo no Bairro Gótico continuam lá. Apenas o lixo está mais pegajoso. Há também as janelas, agora acesas luzes, pequeninas salas de teatro, onde eu espreito, despudorada, cenas infinitamente pessoais.

Enfio a mão livre no bolso e reencontro o conforto morno. O "meu" quarteto de septuagenários jazistas não está na esquina. Busco-o com o olhar de quem afinal precisa de emoções-rotinas. E tomo-me de indiferença pela esquina.
Viro para a Vilalba Dels Arcs e reencontro Dali  e os seus peixes sem mar na montra estreita e inesperada do Círculo Artístico Real. 
O vento rodopia e fala, não se cala,  e prende-me mais nos braços. Dança vento que eu sigo-te. Até à Sagrada Família escondida em sombras e andaimes. Alguns vendedores ambulantes apressam-se aí a desarmar as barracas.
O tempo está ficando mais e mais agreste e finalmente dou-me por vencida. Surpreendo-me num arrepio. Nos olhos que me rodeiam espelha-se a chuva que canta livre e solta e estilhaça em grito. Imagino um mar. E também uma gaivota que anda perdida nele a navegar. 
Chamo um táxi. Enconcho-me no banco, rodeada de noite e chuva.  Embalo-me muda nas secretas ondas.

(maria)
29-11-2010

(Olha, relembro-te ainda nas ondas adormecidas de um mar azul, prolongadas na Net a navegar. Aqui em Barcelona. Foi quase ontem.)

10 comentários:

FlashGordon disse...

Uau!!!!

Anónimo disse...

Beijinhos Maria!
Ainda bem que te vou encontrando....
Boa semana amiga
Céu Rosário

Vento Nocturno disse...

Querida

Uma viagem para recordar,sempre. A descrição é um pormenor do teu excelente poder de observação.

Beijo

Luísa Vaz Tavares disse...

Barcelona, uma cidade que me encanta. Por momentos fui até lá... contigo Maria!
Beijinhos

Anónimo disse...

O ranger solitário da cadeira onde me sento, confunde-se com o crepitar da lareira que me aquece nesta tarde de Outono, enquanto devoro a cidade Condal contada de uma forma simplesmente maravilhosa e arrebatadora...quase morro extasiado a ler-te....

Um Beijo....do STAR

Vento Nocturno disse...

Querida

Desejo-te um Feliz Natal e um Bom Ano Novo.

Beijo

darkest disse...

q lindo maria. por um minuto t invejo por ai nao poder estar.a blz do lugar em palavras.

bom natal.
q os sonhos lhe sejam plenos e a saude eterna.
abçs, de tassio!

CÉU ROSÁRIO disse...

★Feliz★ 。 • ˚ ˚ ˛ ˚ ˛ • •
。★Ano Novo 2011★ 。 。° 。 ° ˛
˚˛ _Π_____ 。 ˚ ˚ ˛ ˚ ˛ •˛
•˚ /______/~\。˚ ˚ ˛ ˚ ˛ •˛
• ˚ | 田田 |門| ˚ ˛ ˚ ˛ •. BEIJINHOS Céu Rosário♥

Daniel C.da Silva disse...

Lindo. Mais do que um relato foi uma viagem, uma incursão interior e bela... pacificada e tranquila.

Já agora, pudesse 2011 ser também assim... com alguma magia à mistura...

feliz Ano Novo!

Luisa Magalhães disse...

mariazinha como gostava de ter estado contigo!
podia ser que sentisse alguma partícula da MAGIA que transmites!chorei por ti e por mim a minha vida é tão vazia.