Começam por bater de mansinho, o compasso sobe de tom, descompassam e sem se darem conta perdem o rumo. O desvario é repentino, gritam, ordenam, imploram, sangram, e a dor que sentem tolda-lhes de seguida os batimentos.
É um pouco assim que eu sinto o meu. Em desalinho. Saracoteando-se sem tino. Pronto a deixar-se devorar. Sem mais.
Escrevo e sinto que ele se aquieta. Provavelmente à espera de se ver desvendado nas palavras que desenho (as palavras podem ter algo de perigoso). Ou não. É sabido que os corações têm razões que a própria razão desconhece.
As histórias dos corações costumam ser atribuladas.
Sobretudo as dos corações desprevenidos e inseguros. Mais ainda as dos corações arrojados, e as dos ditos "insanos de amor", corações húmidos de transpiração, reféns de doces e vorazes incêndios.
E depois...depois, há as histórias dos corações desalentados, quase sempre histórias muito insossas. São corações que vivem eternos dias de céus cor de chumbo e nuvens fartas, à espera do milagre das gotas que teimam em não tombar.
São eles que perdem inusitadamente o fôlego ao primeiro rodopio. Com um sopro ficam-se exaustos e adormecem em longos sonos letárgicos, lisos em demasia, sem sonhos. Quando acordam, contentam-se com um tímido bater das asas e desfalecem de novo. Ou simplesmente ficam-se a olhar. A ver os outros passar. São corações-passarinhos, tolhidos pelo medo.
E as dos corações-meninos, eternamente aninhados em corpos de gente graúda? Diz-se que as histórias destes são, quase sempre, deliciosas e ousadas, repletas de pulsares espontâneos, prazeres etéreos e emoções que raramente alcançam o fundo dos sentidos. Histórias de sabonete e água, paixões caídas em escorregadio chão. Podem ser histórias também tristes.
E as dos corações zangados, submergidos em altos mares bravios, ensurdecidos pelo estilhaçar de destemperados relâmpagos, raios e trovões. Ardem, azulando em incandescentes desamores. São histórias de final infeliz.
Por vezes, correm rumores da existência de histórias de corações felizes... aqueles que mansos e discretos se juntam em abraços e se passeiam, mundo fora, de mãos dadas, sem gastar o amor de uma só vez. Conhecem de cor todas as cores, o recomeço dos rios e são exímios a ludibriar a dor. Negoceiam com as estrelas ao anoitecer.
Mas dizem, os entendidos, que esses não têm história.
(maria)
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