novembro 30, 2009

Chuvas



Chove
tanto
espanto
pranto
em mim

Aproveito
as gotas
grandes
soltas
para misturar nelas
estas gotículas
trémulas
só marejadas
envergonhadas

Jogo-me toda


naquela torrente
em crescente
O mar começa
Desperta o relâmpago
Os olhos da chuva estalam
no céu


escrito
o teu nome
Ausência

Olhos nos olhos
a chuva toda a abraçar-se a mim
O mar cansado
e
eu a chorar por fim

(Maria)




(Imag. Net: Françoise Nielly)


e o tempo...




E o tempo, em passinhos de veludo, desconcertantemente harmónico, ultrapassa-me, atirando-me da sua majestática altura, aquele olhar de olhos que escorregam para o chão, um ombro a descaír-lhe ligeiramente.
Encolho-me frágil...não quero olhar-te tempo, estou sem tempo.
Deixo de o ver quando atinjo a minha esquina.
Corro envergonhada a abrigar-me em casa, certa que ele virá, feito dia, feito noite, feito tudo e mais o nada.

Eu, fatalmente, vou atrapalhar-me, colar-me às paredes, tentar esconder-me.
Cansada, ouvir-me-ei, voz estremecida e mole, a contar-lhe uma vez mais, da minha busca obessessiva de luz em olhos baços.
Ele, surdo, dir-me-á em silêncio, sem palavras, que chegou bem e está tudo calmo.
Num ritual repetido vezes sem fim, sentar-se-á muito coladinho a mim, as horas a fazerem-se memórias.
Pressinto-lhe num ligeiro esgar um certo enfado, prenúncio de final de paixão. Consigo medir-lhe no olhar todo o desprazer que eu e o meu corpo gasto agora lhe provocam.
Dir-me-á, ele próprio desvanecido, que não quer conversar, que é silenciosa a sua forma de estar. A mim cabe-me entregar-me incondicionalmente e deixa-lo passear-me vorazmente.
Finalmente, como sempre, soltar-se-á de mim num grito silencioso todo o meu desamor:
Não fiques comigo, não me abraces, não te quero mais...ainda que todo tu só fosses alvoradas!
E os meus olhos ficar-se-ão para ali a naufragar entre o brilho e a sombra e a sombra e o brilho.
Desatento, absorto, teimoso...ele permanecerá sentado, sempre colado a mim naquele vício de amor em fim.
Lá fora, será de novo Outono nas folhas das árvores da minha rua. Sentirei um frio que me virá de dentro.
Num esforço final, empenho-me em imaginar o tempo como um emarenhado véu, com o qual recusarei tapar o meu coração.
(Maria)


"A vida, como sabes tem o tempo da areia que se escapa por entre os dedos.
Areia rápida e branca.
Esvoaçante"

Al Berto in Anjo Mudo

(Imag Net: persistência da memória/Salvador Dali)

às vezes...

(Imag. Net: Gauguin/luar de Janeiro)

 Eu acredito em luares
brilhantes
plenos
grávidos
e por entre os luares
construo amores
raros
exactos
sem tempo
sem enfeites
sem razões
Só amores
AMOR
simples


Sem beleza
nem admiração a rondar
perturbar
sugar
matar
São quimeras
perdas
condenadas ao fim


Só amores
AMOR
simples magia
cítara
no sol
poente
todo maresia
ao relento das auroras
depois do depois
sem tempo
sempre
a ecoar sem fim

(Maria)