novembro 30, 2009

e o tempo...




E o tempo, em passinhos de veludo, desconcertantemente harmónico, ultrapassa-me, atirando-me da sua majestática altura, aquele olhar de olhos que escorregam para o chão, um ombro a descaír-lhe ligeiramente.
Encolho-me frágil...não quero olhar-te tempo, estou sem tempo.
Deixo de o ver quando atinjo a minha esquina.
Corro envergonhada a abrigar-me em casa, certa que ele virá, feito dia, feito noite, feito tudo e mais o nada.

Eu, fatalmente, vou atrapalhar-me, colar-me às paredes, tentar esconder-me.
Cansada, ouvir-me-ei, voz estremecida e mole, a contar-lhe uma vez mais, da minha busca obessessiva de luz em olhos baços.
Ele, surdo, dir-me-á em silêncio, sem palavras, que chegou bem e está tudo calmo.
Num ritual repetido vezes sem fim, sentar-se-á muito coladinho a mim, as horas a fazerem-se memórias.
Pressinto-lhe num ligeiro esgar um certo enfado, prenúncio de final de paixão. Consigo medir-lhe no olhar todo o desprazer que eu e o meu corpo gasto agora lhe provocam.
Dir-me-á, ele próprio desvanecido, que não quer conversar, que é silenciosa a sua forma de estar. A mim cabe-me entregar-me incondicionalmente e deixa-lo passear-me vorazmente.
Finalmente, como sempre, soltar-se-á de mim num grito silencioso todo o meu desamor:
Não fiques comigo, não me abraces, não te quero mais...ainda que todo tu só fosses alvoradas!
E os meus olhos ficar-se-ão para ali a naufragar entre o brilho e a sombra e a sombra e o brilho.
Desatento, absorto, teimoso...ele permanecerá sentado, sempre colado a mim naquele vício de amor em fim.
Lá fora, será de novo Outono nas folhas das árvores da minha rua. Sentirei um frio que me virá de dentro.
Num esforço final, empenho-me em imaginar o tempo como um emarenhado véu, com o qual recusarei tapar o meu coração.
(Maria)


"A vida, como sabes tem o tempo da areia que se escapa por entre os dedos.
Areia rápida e branca.
Esvoaçante"

Al Berto in Anjo Mudo

(Imag Net: persistência da memória/Salvador Dali)

1 comentário:

Mel de Carvalho disse...

Maria,

andei a lê-la, texto após texto, da prosa ao poema. encontrei uma escrita angulada, burilada pelos sentidos. e gostei. gostei muito.
voltarei, se me permitir e, igualmente se me permitir, colocarei seu link.

de mim: artesã da palavra, na "noite" (sempre), seja aqui, espaço de que lhe deixo link, ou no sapo, no meu (velhinho) blog homónimo, exclusivamente em ensaios de poesia "www.noitedemel.blogs.sapo.pt"

fraterno abraço
Mel